Entre seu passado político e o que apresenta em campanha, candidata Marina Silva esquece algumas partes; jornal do PSB diz que ela apoiou a CPMF, que destinava verbas bilionárias para a Saúde; quando foi senadora (2003-2011), porém, votou contra duas vezes; "Não faço oposição pela oposição", diz Marina hoje, que naquele tempo boicotou a Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação da Anatel, a reforma administrativa e o modelo de exploração do petróleo; dia 29, desdenhou do pré-sal - "o petróleo é um mal necessário" -, mas já na manhã seguinte voltou atrás sem reconhecer que seu programa de governo tem apenas uma linha sobre o assunto; no Fisco, esqueceu de declarar todos os seus bens, lembrando apenas depois de o PT ameaçar pedir investigação; ativista da causa LGBT, é agora contra o casamento de pessoas do mesmo sexo; Freud explica?
11 DE SETEMBRO DE 2014
Ao não enfrentar o cotejo de informações produzidas por seu passado político, distante e recente, com posições e atitudes atuais, de postulante a presidente, Marina Silva também se torna candidata a caso clínico, daqueles que, como diz o povo, só "Freud explica". À primeira vista dos leigos, parece que a ex-seringueira, ex-senadora e ex-ministra sofre do que se pode chamar de amésia seletiva. Lembra ou esquece, apenas do que quer, não de tudo o que foi, fez ou disse.
O caso mais recente diz respeito à sua declaração de bens à Receita Federal. Marina só pode ter esquecido de acrescentar ao seu patrimônio pessoal R$ 46 mil, o que só feito na Receita após ameaça de pedido do PT por uma investigação. Num dado que era desconhecido até a semana passada, revelou-se que Marina recebeu R$ 1,6 milhão em palestras a clientes que, sim, ela se lembra, mas está impedida por contrato de revelar os nomes.
Se R$ 46 mil podem ser pouco para lembrar, esquecer dos bilhões que a CPMF – imposto de 0,38% de cada cheque – representava para a saúde deve ser mais fácil. O instrumento vigorou no governo de Fernando Henrique, mas foi cortado antes de beneficiar a administração Lula. Marina foi senadora entre 2003 e 2011, e por duas vezes votou contra a CPMF. Ela também não apoiou a iniciativa do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) de resgatar a verba carimbada, não endossando o projeto. No jornal da campanha de Marina para presidente, no entanto, está escrito que Marina apoiou a CPMF. Isso nunca foi verdade.
- Eu não faço oposição por oposição, tem repetido Marina nesta campanha. Trata-se, à medida em que ela não assume o debate sobre suas posições públicas, tomadas no Senado, diante de todos os registros públicos, de um verdadeiro atestado de esquecimento. E não é o único sobre sua atuação no Senado, onde, ao contrário do que diz hoje, praticou sim a oposição a praticamente tudo.
Em oposição à grande maioria do Congresso, Marina votou contra temas quase consensuais como a criação da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações --, a quebra do monopólio estatal e o modelo de concessão para exploração de petróleo, e, também, contra a reforma administrativa. No dia da votação da reforma da Previdência, estava de licença médica. Em 2000, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal que, reconhecidamente, tem normatizado minimamente as finanças dos Estados.
A coisa é complexa. Um caso gritante é a ida e vinda, sem reconhecer que foi e voltou, a respeito do pré-sal. Menos de uma dia depois de afirmar, em 29 de agosto, que não tinha o pré-sal como uma de suas prioridades – "minha posição é conhecido: o petróleo é um mal necessário" -, Marina não apenas não assumiu o que disse, enfrentando, assim, o debate, como aderiu, de forma classicamente oportunista, à maré de desaprovação ao posicionamento. De resto, subjugado em seu programa de governo.
Marina esqueceu, outra vez na primeira hora de sua candidatura de 2014. De olho no voto das igrejas pentecostais, reagiu a quatro twites do "pastor" Silas Malafaia com um imediato rompimento com seu compromisso histórico com os militantes LGBT. Ao menos, é que se tinha no início da carreira política dela, quando, no melhor estilo hippie, ajudou a criar as bases nacionais para a expansão do movimento. Mesmo cavalgando nessa comunidade politicamente influente e carregando a bandeira de prestígio,
Marina marcou posição contra a formalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
- Nem sei que twites são esses, devolveu Marina a respeito do motivo de sua virada ideológica. Deve ser verdade, pode ser esquecimento.
Entre lapsos, Marina também começa a ver sua tendência de ascensão nas pesquisas parar, na melhor análise para ela, ou se inverter, no que muitos acreditam. De tão flagrantes, os paradoxos entre a história política de Marina e a maneira como ela se apresenta agora estão, nitidamente, decepcionando legiões de eleitores que a tinha como alternativa. Falou alto o crescimento do índice de rejeição dela.
Se continuar a esquecer quem foi e não dizer mais claramente quem é, Marina corre o risco de não ser lembrada pelos eleitores.
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