Estudo levantou 50 mil documentos e fotos em presídios e delegacias,
institutos médicos legais, jornais, revistas e redes sociais, além de raras
entrevistas com detentos Palhaços, índias, magos, caveiras, bruxos,
serpentes, polvos, aranhas, peixes, anjos, santos e demônios são figuras comuns
nos presídios brasileiros. Há pelo menos 10 anos, o capitão da Polícia Militar
baiana Alden dos Santos se dedica a traduzir os significados destas e outras
imagens desenhadas nos corpos de presos e suspeitos de crimes no Brasil e no
exterior. Seu estudo sobre os significados das tatuagens gerou uma cartilha,
adotada oficialmente como apoio a investigações pela PM da Bahia. “Foram
detalhados os significados de 36 imagens associadas a crimes específicos",
diz o capitão. “Muitas delas, além de se repetirem em todo o país, aparecem-nos
mesmos padrões em países como Estados Unidos, Rússia e locais na Europa”. “Além
de símbolos mais conhecidos”, como palhaços [associados a roubo e morte de
policiais], magos ou duendes [comuns entre traficantes], a pesquisa identificou
recorrência inusitada de personagens infantis, como o "Diabo da
Tasmânia", o "Papa-léguas" e o "Saci-Pererê".
O primeiro sugeriria envolvimento com furto ou roubo, principalmente
arrastões. Já o Papa-léguas --ou sua variação mais comum, o
"Ligeirinho"-- indicaria criminosos que usam motocicletas para o
transporte de drogas. O Saci também teria relação com o tráfico: seus
portadores seriam responsáveis pelo preparo e distribuição dos entorpecentes.
Foi pelas redes sociais que a pesquisa de Alden encontrou popularidade: mais de
5.000 pessoas acompanham suas postagens no Facebook sobre supostas conexões
entre crimes e tatuagens, além de casos policiais não registrados pela grande
mídia.
Pelo YouTube, os vídeos publicados pelo PM já foram vistos mais de 600
mil vezes. O resultado final do estudo já foi baixado pela internet por mais de
um milhão de pessoas.
Estigmatização?
Aproximadamente 50 mil documentos e fotos foram coletados pelo PM: eles
vêm de presídios e delegacias, institutos médicos legais, jornais, revistas e
redes sociais --tudo isso somado a raras entrevistas com detentos de prisões
baianas.
"As principais informações infelizmente não vieram dos presos em
si. Há um forte código de silêncio. As conclusões vieram mais pelo cruzamento
de dados", diz. Ele explica: "Levantamos, por exemplo, todos os
presos que tinham tatuagem do Coringa e cruzamos com suas sentenças. Havia um
padrão claro em seus delitos."
O padrão, segundo o militar, indica "roubo e envolvimento com morte
de policiais".
"Portadores desta tatuagem demonstram frieza e desprezo pela
própria vida", explica o PM. “A maioria parece absorver as características
deste personagem --insano, sarcástico, vida louca”. Normalmente não se entregam
fácil e partem para a violência. “Questionado sobre a estigmatização que a
pesquisa poderia provocar sobre quem tem imagens pelo corpo, o policial militar
diz deixar claro que cidadãos “nunca poderão ser abordados somente por
apresentarem tatuagens descritas na cartilha”“.
"Nosso objetivo não é discriminar pessoas tatuadas, isso seria
discriminar o próprio ser humano, que há muito tempo usa tatuagens como forma
de expressão", diz o capitão Alden.
Ele diz que, para policiais, a importância do estudo é ajudar o policial
a salvaguardar sua integridade física, no caso de tatuagens ligadas a mortes de
oficiais. “Elas também funcionam como mais uma ferramenta para facilitar o
trabalho de reconhecimento de suspeitos", diz, citando as imagens de
carpas --estes peixes são frequentemente associados à facção criminosa PCC
(Primeiro Comando da Capital).
Códigos:
Além das imagens figurativas, elementos gráficos, como pontos tatuados
nas mãos, também seriam indícios de crimes, segundo o pesquisador. Um só ponto
preto indicaria "batedores de carteira". Dois, na vertical, sugerem
estupro. Três pontos, em formato de pirâmide, apontam relação com
entorpecentes.
O oficial não teme que a divulgação dos símbolos iniba que a exibição ou
confecção de novas tatuagens suspeitas. “A existência desse material não fará
com que as facções alterem seus códigos", diz Alden ao #salasocial. “Por
incrível que pareça”, em vez de os suspeitos deixarem de usar a imagem que os
associam à prática de determinado crime, o que percebemos é a lógica inversa:
quanto mais se tem consciência de que a polícia conhece, mas frequentes são as
imagens, como uma espécie de desafio.
“Segundo o PM, a tendência não se limita ao Brasil. “O palhaço, com o
mesmo significado, é muito comum também na máfia russa, no México, nos Estados
Unidos, em Porto Rico”“. O mesmo ocorre com a índia (mulher cabelos negros e
longos, que já serviu para indicar quem tinha autorização do tráfico para
portar fuzis, hoje mais associada à prática de roubos).